Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

sexta-feira, abril 28, 2006

Rome and the enemy
Estou a ler este livro, pela historiadora Susan Mattern. Embora tenha algumas opiniões controversas ou dificilmente comprováveis, serve para reflectir; vou apresentar um exemplo.
Em várias ocasiões, imperadores romanos tomam decisões que eram justificadas (positivamente ou negativamente) pelos cronistas da época, mas que são recusadas pelos historiadores actuais em favor de outras mais racionais. Quando Cómodo decidiu interromper a guerra contra os Germanos, a justificação que foi apresentada por Herodiano, é de que Cómodo preferia voltar aos luxos da capital e tinha medo de por ter subido recentemente ao trono, um qualquer general que tentasse obter a púrpura. Esta versão é normalmente rejeitada pelos historiadores contemporâneos (que dizem que Cómodo tinha suficiente experiência de combate para não ser um molengão, além de que a guerra estava a ser ruinosa não trazendo qualquer proveito, tendo a paz sido alcançada de forma bastante favorável: argumentos perfeitamente válidos para a nossa mentalidade), que rejeitam como artifícios literários. Ora, isto é esquecer que na elite da época não havia especialistas em vários assuntos (economia, política). Sendo escolhidos dentro da classe aristocrática, a sua educação era generalista versando um pouco de direito, muita retórica, literatura e mais alguns conhecimentos gerais dados sob forma literária (geografia, história). Um governador de uma determinada zona quando era nomeado de nada percebia da sua nova província (nem língua, nem cultura, e muito menos economia). Boa parte dessa elite além de exercer cargos, escrevia livros variados (César relatou as suas campanhas, Marco Aurélio escreveu filosofia).
Ora, a importância dada às obras clássicas era tal, que muitas vezes os autores de novas obras ao terem de escolher entre livros antigos e desfasados da realidade e outros mais recentes, preferiam aqueles. Ainda mais estranho era a descrição feita por autores que viajavam. Ammianus Marcelinnus quando descreveu as campanhas do imperador Juliano no séc. IV (em participou), descreveu a Gália copiando o livro de César, como se os gauleses ainda estivessem divididos em tribos independentes em guerra, quando na realidade, pertenciam à romanidade há uns bons 300 anos e ele ao viajar pela Gália não poderia deixar de se ter apercebido disso; sem dúvida para demonstrar que era uma pessoa culta, e para dar referências conhecidas aos seus leitores, preferiu descrever o mundo dos livros à realidade à sua volta (e Ammianus é um dos melhores historiadores do final do império). As descrições dos germanos pelos historiadores da época, corresponde ainda à descrição de Tácito também 300 anos anteriores.
Deste modo, Susan pretende mostrar, que se era possível que Cómodo e o pessoal à sua volta (ou outros governantes) tomassem em conta factores estratégicos, económicos, políticos nas suas tomadas de decisão, é bem mais provável que dado o quadro mental em que viviam, os factores apresentados pelos autores antigos correspondessem (normalmente) à verdade (claro que dito assim parece bastante óbvio: mesmo os políticos actuais embora tenham formações mais especializadas, agem de acordo com os preconceitos do seu tempo e não de forma friamente racional).
Q.F.M.

segunda-feira, abril 24, 2006

A literatura Latina do Final da República/Princípio do Império-III

Cícero (106-43 AC)- Político e orador romano, ocupou vários cargos públicos (embora plebeu, conseguiu tornar-se cônsul), bastante conservador (apoiou sempre o partido senatorial) e acabou assassinado nas proscrições do 2º triunvirato. Escreveu discursos abordando todo o tipo de temáticas (sob propostas de leis, defesa judicial de pessoas) e livros (sobre a amizade, o destino, etc) de que sobreviveu uma boa quantidade.

Catulo (84-54 AC.)- Um poeta que escrevia um pouco de tudo, mas que se celebrizou por poemas eróticos (para ambos os sexos) e insultuosos a quem o desagradava.

Tito Lívio (59 AC, 17 DC)- Considerado o grande historiador de Roma, embora não tenha sobrevivido toda a sua obra (uma história de Roma desde a fundação). E ao contrário dos grandes historiadores gregos (Plutarco, Thucydides), que tinham tido vidas politicamente e militarmente activas que os levavam a compreender bem o que descreviam e tinham mentalidade critica em relação a fontes, Tito Lívio que sempre teve uma vida sedentária e escrevia uma história gloriosa da cidade escolhida pelos deuses, não tinha essa experiência, levando a que escrevesse (sobretudo nas componentes militares) sobre assuntos de que não compreendia, tornando bastante discutível partes da sua obra; em relação aos primeiros séculos de Roma, dada a inexcistencia de fontes, a história confunde-se com mitologia.
Q.F.M.

quinta-feira, abril 20, 2006

A literatura Latina do Final da República/Princípio do Império-II

Ovidio (43 -17 AC)- Um dos grandes poetas do período áureo da literatura romana. As suas obras mais conhecidas são as metamorfoses e a arte de amar (li este e os seus conselhos servem perfeitamente para os dias de hoje com pequenas adaptações do género, substituir “evitar levar uma mulher a um combate de gladiadores” por “evitar levar uma mulher a um combate de boxe”).
Foi exilado por ordem de Augusto (provavelmente pelo escândalo que provou a arte de amar) e morreu longe de Roma.
Virgílio (70-19 AC)- Outro dos grandes poetas. Escreveu as éclogas, as Geórgicas e a Eneida (a sua obra provavelmente mais conhecida), que conta as aventuras de Eneias que foge de Tróia no momento da conquista, e depois de navegar pelo mediterrâneo chega a Itália onde se estabelece, criando a linhagem que dará origem a Rómulo e Remo.
Virgílio foi apoiado financeiramente por Mecenas, e depois pelo próprio Augusto, conseguindo tornar-se famoso sucesso (embora a Eneida só fosse publicada depois da sua morte).
Horácio (65-8 AC)- Outro grande poeta (não li nada dele). Fez parte do círculo de escritores patrocinados por Mecenas. Escreveu inúmeros poemas, mas é conhecido do grande público moderno por uma frase que fez sucesso num filme dos anos 80 “O clube dos poetas mortos”: Carpe Diem.
Q.F.M.

terça-feira, abril 11, 2006

História da Vida Privada, dir. de Philippe Arriès e de Georges Duby.
São 5 volumes, o primeiro tendo vários capítulos sobre Roma. As partes dedicadas à vida privada são excelentes (do final da república ao princípio do império): o nascimento, a educação, casamento, sexualidades (e aqui muitas surpresas para quem tem a ideia de que os romanos eram um bando de decadentes que se dedicava a orgias), a morte, os vários grupos sociais (patrícios, plebeus, libertos, escravos), a visão da mulher. Tudo isto com imensas passagens e citações de obras literárias, históricas e anedotas, de preferências dos autores com histórias mais escabrosas como Petrónio e Suetónio (o marketing é uma coisa óptima para vender produtos, mesmo que culturais). Ficamos a saber que Catão (creio que o de Utica) divorciou-se da sua mulher (de que tivera muitos filhos) e “emprestou-a” (com o consentimento dela) para ela casar com o seu melhor amigo para ela dar descendência ao seu amigo que não tinha herdeiros; cumpriu o seu papel, e assim que o amigo morreu, ela voltou para Catão, dado que cumprira o seu dever (o gosto pessoal não interessava para nada, só o dever para com a cidade e a família). Ficamos a saber o que é que os romanos consideravam devassidão (muito diferente do que é agora). Vemos a carreira de um romano ao longo da vida e a sua necessidade de ser recordado depois da morte no seu túmulo com uma inscrição.
Pena não terem dedicado nada ao final do império.
Existe uma outra parte do livro dedicado a descobertas arqueológicas que se fizeram no norte de africa, mas cujo interesse é reservado aos apaixonados da arqueologia pura e dura.
Q.F.M.

terça-feira, abril 04, 2006

A literatura Latina do Final da República/Princípio do Império
Vou durante alguns tempos falar de autores latinos do final da república e início do império; já tinha abordado o assunto para o baixo-império, agora vou para a época de apogeu da literatura latina. Vou começar com César, não só por razões temporais mas pessoais: não li autores latinos anteriores a César.
Se sabemos tanta coisa das suas campanhas, deve-se em parte porque ele as relatou. “Da guerra Gálica” é a sua obra mais conhecida, descrevendo os vários anos das suas campanhas contra os gauleses. Descreve os povos que encontra (que fogem um pouco, mas não demasiado do estereótipo de bárbaros cabeludos) com alguns costumes, a política e geografia. É um livro no entanto sobretudo militar, descrevendo as batalhas de hordas inumeráveis de bárbaros contra punhados de romanos que aguentando o primeiro embate sempre terrível, vencem a batalha numa carnificina (há um livro de um historiador alemão- Hans Delbruck -que desmistifica esses valores, pois seria impossível existir tanta gente com o tipo de economia da época).
Menos conhecido, mas igualmente importante, é a sua obra sobre a guerra civil (descreve os acontecimentos que aparecem na série “Roma” contra Pompeu, onde vemos (apesar de ser parcial) o seu génio militar a funcionar (e a sua capacidade de improvisação). Depois, existem outras obras que descrevem as suas restantes campanhas (no Egipto, Africa, Península Ibérica), que variam entre algumas que foram escritas por si, outras retocadas por colaboradores até serem escritas por outros autores em seu nome.
Os seus livros são excelentes fontes primárias (à falta de livros dos seus adversários ou outras contemporâneas), que se lêem bem (confesso que só li os dois primeiros livros), embora sejam também obras de propaganda e auto-glorificação com uma agenda política (às vezes bastantye óbvia, outras mais camuflada).
Os críticos dizem que usa um latim absolutamente correcto mas acessível e fácil com um bom domínio da língua sem ser rebuscado.
Q.F.M.