Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

sábado, junho 26, 2004



HISTÓRIAS (I) O imperador Caio César, mais conhecido pela alcunha de Calígula ("pequena bota", aprox.), ficou célebre pelos seus muitos desvarios e crueldades. Suetónio conta que tinha o hábito de conversar com Júpiter Capitolino, a quem ameaçava com o seu poder imperial, e com a Lua, a quem convidava para o seu leito. Daqui se depreende que o imperador sofria, certamente, de uma grave doença doental.

Aquele historiador conta também outras histórias, entre as quais uma que demonstra o pouco respeito que Calígula tinha pelas leis, pelos costumes e pelos seus concidadãos. O imperador foi convidado para o casamento de Lívia Orestila e Cneio Pisão, dois jovens patrícios. Acedendo ao convite, foi recebido na boda com toda a pompa e circunstância. Mas eis que, a meio do banquete, como Pisão abraçava Lívia, o imperador advertiu-o: "Não aperte tanto a minha esposa". E de seguida, perante a estupefacção dos convivas, interrompeu a festa e levou Lívia consigo. No dia seguinte, justificou-se publicando um édito em que anunciava que "contraíra casamento a exemplo de Rómulo e de Augusto", que tinham obrigado outros homens a cederem-lhes as esposas, Hersília no caso de Rómulo e Lívia Drusilla no de Augusto. No entanto, o rapto de Hersília era apenas uma fábula, e Augusto, apesar de tudo, cumpriu todas as formalidades legais para se poder casar com Lívia Drusilla.

Dias depois, Calígula repudiou Lívia Orestila. E quando, dois anos mais tarde, soube que ela voltara para Pisão, mandou desterrá-la. Por estas e por outras, Calígula caíu assassinado no ano 41 d.C..

C.J.P.

terça-feira, junho 15, 2004

O telhado romano.

Uma das mais fantásticas inovações tecnológicas introduzidas pela civilização clássica é a cobertura dos edifícios. A solução da cerâmica de construção permitiu dar solidez e cobrir maiores espaços edificados, do que as coberturas vegetais ou de pedra.
O telhado é constituído por duas peças que se combinam mutuamente, formando um revestimento aéreo que permite não só escoar a água da pluviosidade, como introduzir ainda uma componente estética aos edifícios.



A 1ª peça denominava-se tegula (palavra latina de onde vem a telha portuguesa e a teja espanhola) e constituía uma espécie de tijoleira plana rectangular, com um rebordo dos dois lados maiores. Cada peça era adossada sucessivamente à outra, pelos rebordos.



O 2º tipo de peça cerâmica curva, designado por imbrice, correspondia à capa e era colocada sobre a junção dos rebordos de todas as tegulae, cobrindo-as e impedindo a entrada da água pela junta.



Esta dupla combinação criou um tipo de telhado único que, com a queda do império romano, se perdeu, sendo progressivamente substituído apenas pela telha curvilínea, denominada mais tarde como telha mourisca. Este modelo perdurou até aos nossos dias (vejam os edifícios das aldeias mais antigas), salvo as introduções externas de ‘telha capa/caleira’ e ‘telha marselhesa’.
Descobrir num terreno fragmentos dispersos e rolados de imbrex e tegulae, associados, permite afirmar, com certa segurança, que estamos perante uma estação de cronologia romana (apesar das teorias de alguns de que o seu uso perdurou até ao século XIV!).
Temos assim um dos mais famosos artefactos arqueológicos romanos que funciona como uma espécie de ‘fóssil indicador’ da datação romana de um sítio arqueológico. Mas atenção! Os romanos empregaram os imbrex e as tegulae com outras funcionalidades (e não só nos telhados): como caleiras, condutas de água/esgotos e ‘caixões’ tumulares.

M.C.O.

terça-feira, junho 08, 2004

Origens de Roma (II)

Uma das personagens por excelência da narrativa sobre as origens de Roma é Romulus. Mas os investigadores têm-se questionado se esta personagem terá realmente existido.
O próprio nome traz alguns problemas. A sua raiz etimológica é etrusca, mas não se sabe se deriva dum termo com o significado de ‘força’ ou de outro com o sentido de ‘peito ou mama’.
Ninguém pode verdadeiramente afiançar de que terá sido ele o fundador de Roma. Do que podemos estar seguros é que, na origem desta cidade, terá existido alguém, talvez um rei, dotado de poderes políticos e religiosos, que terá marcado a ascensão deste povoado e da sua comunidade até à potência imperial que conhecemos.



Sobre a existência deste rei fundador, deu-se em 1899 uma descoberta enigmática na parte ocidental do Fórum de Roma, no lugar onde a tradição diz ter sido assassinado ou onde terá falecido Rómulo.
Consiste num bloco prismático de mármore negro, celebremente denominado como lapis niger pela sua cor escura, com quatro faces inscritas em texto latino arcaico, escrito em forma boustrophidon, isto é, escrito sucessivamente de cima para baixo e de baixo para cima, que dizia:
«Todo aquele que violar este lugar seja consumido nas chamas do inferno e todo aquele que contaminar este lugar com imundície, ser-lhe-á confiscada toda a sua propriedade pelo rei, baixo a responsabilidade da lei. Todo aquele que o rei descobrir passando por esta estrada, ele dará ordem ao oficial de justiça para medir os seus animais de carga pelos rins, de forma que saiam da estrada imediatamente e tomem o devido caminho. Todo aquele que persistir passeando por esta estrada, a se negar a volver caminho, por ordem da lei, será vendido como escravo ao maior licitante»
O texto parece ter sido formulado por mando de um rei e é interpretado como sendo uma espécie de legislação que regulamenta os ritos do culto a Vulcano.



O cipo foi recolhido junto dos restos dum complexo monumental composto por uma plataforma, sobre a qual se encontra um altar e uma base circular, destinada seguramente a ostentar uma estátua. Estas estruturas foram interpretadas como pertencendo também a um santuário consagrado ao deus Vulcano. No local foram também encontrados restos osteológicos humanos dum indivíduo sacrificado. Com base na tradição literária, sabia-se que Rómulo estaria enterrado perto dum santuário dedicado ao deus Vulcano, o que permitiu ampliar as expectativas em torno do achado.
Os investigadores interrogaram-se se esta lápide testemunharia de facto o sepulcro de Rómulo, mas as últimas pesquisas parecem excluir a hipótese.



A análise paleográfica do texto permite datá-lo do período da monarquia etrusca, em torno do século VI a.C. (alguns datam especificamente do ano 575 a.C.), portanto dois séculos depois da data tradicional de fundação de Roma, tratando-se mesmo assim da epígrafe mais antiga encontrada em Roma. A sua datação aponta para um período em que Roma ainda constituía um pequeno aglomerado antes de se converter na grande metrópole. Onde o espaço de achado destas estruturas, que se transformaria mais tarde no forum, já tinha ganho a centralidade da vida comercial das aldeias e aglomerados das colinas circundantes.

M.C.O.

quinta-feira, junho 03, 2004



PERSONAGENS (VI): OCTÁVIO CÉSAR AUGUSTO (Conclusão) Embora existisse oposição, principalmente entre as grandes famílias republicanas, Augusto tinha agora poder absoluto sobre o Estado. Era o líder militar incontestado, com comando sobre praticamente todas as legiões, e sobre as principais magistraturas e orgãos de governo. Além disso, Augusto foi o criador da poderosa Guarda Pretoriana, que lhe garantia a obediência de Roma. Esta guarda seria, no futuro, importantíssima nas crises sucessórias e na própria sobrevivência do regime imperial. Por exemplo, quando Caio César - mais conhecido pela alcunha de "Calígula", com que ficou para a História - foi assassinado no ano 37 d.C., o senado e os cônsules proclamaram a restauração da República. Foi votado um damnatio memorie sobre o regime dos césares, e durante umas escassas 48 horas, parecia que a república dos cipiões, dos catões e dos cíceros tinha finalmente ressuscitado. Mas foi sol de pouca dura, uma vez que os pretorianos aclamaram imperador o velho tio de Calígula, o último sobrevivente masculino da família de Augusto, e irmão do bem amado Germânico, Cláudio. Os cônsules e os senadores, sabendo da aclamação imperial no campo dos pretorianos, pediram desculpas pela ousadia e deram as boas vindas ao novo César...

Augusto fez ainda importantes reformas no sistema político e administrativo do Império. Criou o chamado consulado sufecto, de forma a transformar o cargo numa simples honraria; atribuiu importantes competências e poderes aos equites; reformou o governo das províncias e fixou as fronteiras no Reno e no Danúbio, além de negociar uma paz honrosa com os Partos (de quem recebeu os estandartes de Crasso, perdidos na trágica batalha de Carrae). Embora respeitasse o Senado, transformou-o num simples orgão consultivo, sem poderes reais.

A sua era foi também de grande pujança cultural e artística. Augusto e o seu círculo de amigos - entre os quais se incluía o célebre Mecenas - protegeram os artistas. O chamado "Século de Augusto" contou com nomes como Virgílio, Horácio, Ovídio, etc.

Quanto à vida pessoal de Augusto, desde cedo ficou marcada pela sua ligação com Lívia Drusilla. Octávio apaixonou-se muito cedo por esta jovem, que era então casada com Tibério Cláudio Nero, um dos apoiantes de César. Em 38 a.C., Octávio conseguiu fazer com que Tibério Cláudio lhe cedesse Lívia, que havia já sido mãe de uma criança (o futuro imperador Tibério), e que estava então grávida de seis meses de um outro filho, que se chamaria Druso. Não obstante a adiantada gravidez, Lívia casou imediatamente com Octávio. Quanto a Tibério Nero, ficou com a custódia dos filhos, e participou de bom grado no banquete nupcial - ou assim fingiu, uma vez que não era aconselhável contrariar o todo poderoso triúnviro...

Lívia exerceu uma poderosa influência sobre Augusto. Prova disso é que, embora não lhe tenha dado filhos, o imperador jamais a repudiou, ao longo dos quase 50 anos de casamento. Além disso, a mulher de Augusto conseguiu fazer com que o imperador adoptasse o seu filho Tibério e o considerasse seu herdeiro, o que realmente veio a acontecer, depois das convenientes mortes de todos os outros potenciais sucessores.

Augusto não tinha filhos varões. Tivera apenas uma filha, Júlia, do seu primeiro casamento, com Escribónia (de quem se divorciou para casar com Lívia). Júlia casou com o grande amigo de Augusto, e seu principal general, Vipsânio Agripa. Desta união nasceram os príncipes Caio e Lúcio, que Augusto desde cedo preparou para a sucessão imperial. Mas os jovens césares morreram em circunstâncias algos misteriosas, no ano 2 e 4 d.C., respectivamente. Alguns viram nisto a mão da astuta Lívia, talvez com razão.

Augusto viu-se assim forçado a adoptar Tibério, seu enteado, filho de Lívia e Tibério Nero. Ao que parece, Augusto não gostava muito do enteado, mas viu-o como um mal menor.

Quando morreu, em 19 de Agosto (no mês com o seu nome), do ano 14 d.C., aos 77 anos, Augusto governava sozinho o mundo romano há cerca de 45 anos. A sua mulher, Lívia, sobreviveu-lhe ainda 14 anos, e dela descenderam os restantes imperadores julio-cláudios: Tibério, Calígula, Cláudio e Nero.

Suetónio conta que, no seu leito de morte, Augusto terá ironicamente perguntado aos presentes se desempenhou bem o seu papel, na comédia que é a vida... teria posto uma máscara de actor ainda muito jovem, máscara essa que nunca viria a retirar...

Os Res Gestae Divi Augusti, (aprox. "os feitos do Divino Augusto"), gravados em duas grandes placas de bronze, narram os principais acontecimentos do seu governo. Encontrei uma tradução inglesa neste endereço.

C.J.P.

quarta-feira, junho 02, 2004

Arianismo
Post publicado originalmente no tempore.
A fé ariana que tanta importância teve nas relações políticas entre bárbaros e romanos teve a sua origem em Arius um padre de Alexandria da primeira metade do séc. IV. Ao pretender valorizar a posição do Pai no seio da Santíssima Trindade vinha de algum modo desvalorizar a posição do filho. O Pai seria o único verdadeiramente não criado, existente desde sempre, eterno, enquanto o Filho (logos) embora não fosse criado do ponto de vista cronológico e estivesse acima de todas as outras criaturas pela sua condição divina, não partilhava de todos os privilégios do Pai. Não pretendia negar a Trindade, mas apenas valorizar o pai (e não como alguns diriam mais tarde, negar a divindade de Cristo). Foi imediatamente contestado e depois de algumas peripécias, fez-se um concílio em Niceia em 325 do qual saiu a fórmula ainda hoje usada: “Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado e não criado, consubstancial ao Pai”. Homoousios.
Os arianos saíam completamente derrotados, pois esta posição dava um total equilíbrio entre os vários elementos da Trindade. Esta expressão iria provocar polémica, pois alguns consideravam que se estava a valorizar em demasia o elemento Divino do Filho, em detrimento do elemento humano do Logos. O ocidente latino, pouco afeito às polémicas teológicas ficou satisfeito com essa conclusão, mas o oriente grego ficaria em polvorosa entre arianos, niceianos e outras posições ainda mais subtis. O Imperador (Constantino) iria vacilar entre várias posições. O seu filho Constâncio II iria ficar pela fidelidade ariana. O comportamento dos que conseguiam a colaboração Imperial (independentemente da posição) seguiria sempre o mesmo padrão: calúnia sobre o comportamento moral dos adversários e seu exílio. Os arianos divididos também entre si, iriam fazer concílios (Antioquia em 345), existindo posições que eram praticamente não se distinguiam das niceianas a não ser pelo uso do termo Homoousios.
Passados uns anos surgiria um diácono de Antioquia que elaborou uma nova doutrina saída do arianismo, mas que levava este a um maior rompimento com as doutrinas Niceianas: o filho não era em nada semelhante ao Pai. Essa posição seria mitigada anos mais tarde com uma posição mais moderada, considerando que o filho era semelhante ao Pai (homoios). Ora alguns arianos chegariam a considerar que o filho era em tudo igual ao pai, mesmo em substância. Sem o pretenderem, acabavam por partilhar a posição dos defensores do Homoousios. Mas as suas opiniões iniciais tornavam-nos suspeitos, o que dificultava um acordo.
Claro que outros elementos vinham dificultar o acordo: o uso de qualquer palavra implicava a sua definição absoluta para representar uma realidade teológica, mas a necessidade de usar termos vindos da língua vulgar levava a confusões e más interpretações. A progressiva ignorância do grego pelos latinos dificultava o diálogo (os orientais nunca se tinham preocupado em aprender mais do que o latim básico- quando se davam a esse trabalho). Depois de intensas negociações (no qual se notabilizou Basílio de Cesareia), os niceianos e elementos ditos arianos (mas que defendiam na prática a doutrina de Niceia com um vocabulário ligeiramente diferente) no Oriente acabaram por reconhecer a fé defendida encarniçadamente pelos ocidentais, num concílio em Antioquia em 379. A subida ao poder de Imperadores Niceianos acabou por dar o apoio imperial e condenar à clandestinidade os defensores do Homoios, e a bem dizer, de todas as outras tendências cristãs não “católicas”, como outros grupos de aí em diante apelados de heréticos, os Judeus e os Pagãos. Estava estabelecida a doutrina que com algumas clarificações (por S. Agostinho), nunca mais seria seriamente posta em causa na maioria dos povos cristãos (com excepção talvez dos monofisitas no oriente). Mesmo o rompimento entre católicos e protestantes seria a nível prático (culto de imagens, hierarquia, predestinação, etc: o ocidente nunca teve a subtileza grega).
Com Teodósio, que conseguiu reunificar as duas metades do Império (394), foi estabelecido que o catolicismo definido em Niceia era a religião oficial do Estado Romano (e não apenas apoiada), que recebia o seu apoio, e que a apoiava contra todas as outras tendências. De facto, a tendência do Império Romano era tornar-se um estado totalitário para assegurar a unidade (desde Diocleciano que tendera impor uma espécie de paganismo oficial e único), e a existência de uma religião com uma divindade única (no qual o Imperador era de algum modo o seu representante, muito mais do que qualquer Bispo), só facilitava esse processo. É provável que as lutas internas do cristianismo tivessem acelerado o processo ao apelar constantemente ao Imperador, e levar este a tomar um papel de árbitro (e jogador também interessado).
De facto, muito mais do que o Papa na época (que era apenas o Bispo de Roma, embora com um pouco mais de prestígio que os patriarcas orientais, mas que tinha a vantagem de ter uma certa obediência tácita, embora não explícita dos restantes bispos ocidentais) o Imperador (quer o de Ravena no ocidente, quer o de Constantinopla no Oriente) é a figura mais importante da terra. Desobedecer-lhe é um crime de lesa-majestade e contra a ordem divina (claro que a realidade era bastante diferente, com tantos usurpadores, mas o que interessa aqui é a doutrina).
Q.F.M.