Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

terça-feira, abril 27, 2004

O casamento
O casamento para os romanos era um assunto muito sério: implicava a criação de uma família, o lar de futuros cidadãos (e estes tinham como dever, gerar uma nova geração). Mas isso não significa que o casamento fosse igual para todos.
Os patrícios (a classe governante na república e princípio do império), tinham uma cerimónia religiosa bastante complicada, cheia de rituais de significados por vezes já obscuros. O assunto era decidido pelos pais dos interessados ou tutores legais (o casamento era como já disse um assunto sério, demasiado sério para ser deixado nas mãos dos interessados que poderiam vir a casar por razões tão levianas como os seus sentimentos), que procuravam fazer alianças políticas favoráveis às famílias. Estabelecido o noivado, este durava durante um período que fosse combinado (normalmente até que os nubentes atingissem a idade legal, 12 anos para as raparigas, 14 para os rapazes). No dia da cerimónia (que teria de ser num dia fausto, ou seja num dia favorável), a noiva depois de uma série de preparativos (ia vestida de branco, enfeitada com jóias, penteada de certa forma, etc), celebrava-se o casamento na sua casa e um banquete; no final do dia era conduzida à casa do noivo num cortejo, com familiares, amigos, músicos e criados que proferiam obscenidades para assegurar a fecundidade do novo casal.
Com os plebeus, as coisas eram de forma mais simples: estes simulavam a compra mútua e passavam a residir juntos. Finalmente, um casal que vivesse um ano juntos, era considerado como estando legalmente casado.
Ora em todos estes casamentos, a situação jurídica da mulher implicava uma submissão desta ao seu esposo, que era verdadeiramente senhor dela, só se aceitando a separação como repúdio da esposa por iniciativa do marido. Com o final da república, as mulheres vão-se progressivamente autonomizando, passando a ter direito de pedir o divórcio também. Os moralistas queixavam-se de que as mulheres (e homens) casavam várias vezes), trocando de maridos, ou arranjando amantes (ficou conhecida a esposa de Cláudio, Messalina).
Como sempre existiam excepções: Catão de Utica, tinha um amigo que já velho que se lamentava que ia morrer sem deixar descendência; Catão sugeriu-lhe emprestar a mulher que já tivera numerosos filhos. Ela acedeu, casou com o amigo, teve filhos, e quando ele faleceu voltou ao ex-marido. Porque de facto, o elemento primordial do casamento era a reprodução legal (filhos de escravas não contavam), o resto, honra, e interesses pessoais eram secundários (este espírito é de algum modo semelhante ao dos espartanos que aceitavam que mulheres espartanas dessem à luz a crianças que não fossem filhos do esposo, desde que fossem saudáveis e o pai fosse um espartano).
Q.F.M.

segunda-feira, abril 26, 2004




A ESCRAVATURA É sobejamente conhecido o carácter profundamente esclavagista da sociedade romana. Os escravos eram essenciais na Roma Antiga, uma vez que constituíam a esmagadora maioria da mão de obra, desde as minas ao pessoal doméstico.

Com as conquistas dos séculos II e I a.C., centenas de milhares de pessoas foram reduzidas à escravidão, em toda a bacia mediterrânica. Milhares de púnicos, númidas, gregos, sírios, judeus, egípcios, gauleses e espanhóis eram vendidos diariamente nos grandes mercados de escravos de Marselha, Óstia, Roma, Alexandria, Delos, Rodes, Atenas, etc. Alguns eram prisioneiros de guerra, outros eram viajantes ou camponeses que tiveram o azar de ser raptados por piratas ou traficantes de escravos, ao passo que outros se vendiam voluntariamente para pagar dívidas ou para escapar à miséria da terra natal. Os gregos instruídos compunham a maior parte destes que se vendiam voluntariamente, na esperança de serem comprados por um rico romano que os empregasse como secretários, feitores ou tutores dos filhos. Passados alguns anos, era costume o domine (senhor) conceder a liberdade a estes escravos domésticos, que então se tornavam cidadãos, embora na condição de libertos e clientes do antigo senhor. Grande parte da população da Roma Imperial era composta por libertos (que por obrigação legal usavam um barrete vermelho como sinal da sua condição), ou seus descendentes. No entanto, e não obstante a extrema riqueza e poder de alguns destes libertos, a mancha da escravatura não se desvanecia até à terceira ou quarta geração; por exemplo, Suetónio conta-nos que Augusto se recusava a comer à mesa de um liberto.

Não obstante tais factos, os libertos desempenharam um importante papel na história romana. Alguns chegaram mesmo a concentrar em suas mãos a governação do Estado, como Narciso e Pálas, libertos do imperador Cláudio.

Regra geral, os escravos do campo viviam em condições muito piores que os da cidade. Fechados como gado, em grandes barracões sem as mínimas condições (os "ergulastum"), trabalhavam nas enormes plantações pertencentes a senadores ou cavaleiros romanos. Alguns destes domínios chegavam a ter mais de 10.000 escravos; um “modesto” senador como Plínio, O Velho (que morreu quando estudava a erupção do Vesúvio, em 79 d.C.), tinha mais de mil escravos nos seus domínios.

As grandes famílias de Roma – a começar pelas casas reinantes – tinham domínios espalhados por todo o Império, na Grécia, na Hispânia, na Ásia Menor, no Egipto, etc. Em 410, o fatídico ano do saque de Roma pelos Visigodos, estas famílias eram ainda mais ricas que no tempo de Augusto, possuindo terras, palácios e escravos disseminados por todo o império. Por ironia, os Visigodos de Alarico capturaram grande parte desses nobres romanos, vendendo-os como escravos a mercadores sírios e gregos. E como o governo imperial tinha receio que a proibição da sua venda ditasse a sua morte (se não os pudessem vender ou pedir um resgate monetário às respectivas famílias, os Visigodos desembaraçar-se-iam rapidamente dos cativos, chacinando-os), autorizou que cidadãos romanos fossem vendidos como escravos e que nessa condição permanecessem, por um determinado número de anos... a conquistadora do mundo, que subjugara e escravizara milhões de pessoas, via agora a nata das suas famílias cair na ignomínia da escravidão.

Os escravos das minas e das galés, eram, sem dúvida alguma, os que tinham pior sorte. Geralmente eram criminosos condenados por crimes de sangue, mas, por vezes, eram simples escravos comprados para o efeito. Nas profundezas das insalubres minas do Baixo Egipto, ou nos porões dos trirremes imperiais, estes escravos levavam uma existência verdadeiramente sub-humana. Geralmente, não duravam mais de três ou quatro anos em tais condições.

O imperador Adriano, um príncipe esclarecido e bem intencionado, que reinou no século de ouro do império, legislou no sentido de impedir os maus tratos aos escravos. Mas foi dos poucos governantes com essa preocupação; regra geral, quer os que o precederam, quer os que lhe sucederam, não partilhavam desta sua opinião. O célebre Catão, O Censor (séc. II a.C.), era da opinião que um escravo inútil (por doença ou limite de idade), devia ser vendido. Tal como muitos naquela época, o velho camponês de Tusculum dizia também que os escravos eram "instrumentos vocais", ou seja, que o que os distinguia dos animais e das alfaias agrícolas era a faculdade de falarem. De resto, a sua existência não tinha qualquer valor.

Com o fim de Império, a escravatura permaneceu na Europa e no Mediterrâneo, e daqui transportada para a América e África, até eras bem recentes. Ainda hoje existem escravos em certas regiões africanas (os traficantes árabes continuam a fazer o que fizeram durante séculos...), não obstante as convenções internacionais do século XIX. Existem ainda milhões de pessoas cuja liberdade foi roubada por indivíduos sem escrúpulos. Acabar de vez com a escravatura devia ser um dos principais objectivos das nações civilizadas e das instâncias internacionais.

Em breve escreverei sobre as revoltas de escravos e sobre uma categoria especial entre eles: os gladiadores, ídolos desportivos do mundo antigo.

C.J.P.

terça-feira, abril 20, 2004




PATRÍCIOS E PLEBEUS Para os Romanos, os antepassados de um homem eram extremamente importantes. Quanto mais ilustres fossem os seus ancestrais, mais importância social adquiria; e isto traduzia-se em maiores possibilidades de desempenhar cargos públicos e em exercer determinada influência na respectiva comunidade.

No topo da pirâmide social estavam os patrícios. O termo deriva de “Patres”, ou seja, “Pais”, o que remete a sua origem para a fundação de Roma. Os patrícios eram os descendentes dos primeiros romanos, aqueles que, segundo a lenda, vieram de Tróia (Ílio) com o mítico Eneias. Durante o período etrusco, os patrícios eram já ricos aristocratas, com assento no Senado (que era então o Conselho Real).

A única excepção foi a dos Cláudios, aristocratas sabinos que se tornaram patrícios já nos primeiros anos da República, no século V a.C..

Os plebeus, por seu turno, eram os descendentes dos estrangeiros (italianos) que então se juntaram ao nascente estado romano.

Os primeiros séculos da República ficaram marcados pelas lutas entre patrícios e plebeus. Os primeiros foram cedendo terreno face a estes últimos, perdendo pouco a pouco a exclusividade das magistraturas (por exemplo, do consulado e da pretura), e o domínio do aparelho judicial. O próprio Sila (Sulla), o todo poderoso ditador dos anos 82/79 a.C., não conseguiu inverter este processo. Tentou, sem êxito, conceder privilégios aos patrícios, mas foi sol de pouca dura.

Dado o seu reduzido número, as famílias patrícias foram-se extinguindo ou misturando com famílias plebeias. No século I a.C., ainda existiam várias gens patrícias, como os Cornélios, os Júlios, os Emílios, os Sérgios, os Claúdios, os Calpúrnios Pisões, os Júnios Brutos, os Sulpícios e os Fábios (estes apenas por linha adoptiva). Mas com as guerras civis e as cruéis proscrições desse século, a maioria destas antiquíssimas linhagens foram exterminadas. E as que sobreviveram, seriam aniquiladas pelos imperadores Júlio-Cláudios, que temiam ainda as velhas famílias republicanas, ciosas dos seus privilégios e renitentes em aceitar a supremacia dos sucessores de César. O derradeiro imperador patrício foi Sulpício Galba, o sucessor de Nero (que, por sua vez, fora o último dos Júlio-Cláudios), que morreu sem descendência masculina (69 d.C.).

Entretanto, muitas famílias plebeias foram enriquecendo, tornando-se extremamente poderosas. Criou-se uma nova nobreza (a nobilitas), de que faziam parte as famílias que tivessem antepassados consulares. Quando um homem ascendia ao consulado, nobilitava-se a si e à sua família. Alguns destes “Homens Novos” tornaram-se célebres: Marco Pórcio Catão (o “Censor”), Caio Mário, Marco Túlio Cícero, etc. E foram estas famílias que doravante dirigiram o Império, em conjunto com os “imperadores soldados”, militares que ascenderam à púrpura a partir do conturbado século III.

No século IV, quando já todas as famílias patrícias estavam extintas (embora muitos nobres reclamassem delas descenderem, por alianças matrimoniais ou mera invenção...), o imperador Constantino criou o título de "Patrício", com que eram agraciados os seus mais fiéis colaboradores. Com o passar do tempo, passou a ser um título atribuído aos chefes militares, como Ricimer, o bárbaro que governou a Itália nos últimos anos do Império. O título foi ainda usado durante séculos na corte bizantina, e Carlos Magno recebeu-o das mãos do Papa, quando derrotou os Lombardos (finais do século VIII).

C.J.P.

segunda-feira, abril 19, 2004

Às armas, às armas… (I)

O exército romano era formado pela cavalaria e pela infantaria, distinguindo-se os soldados respectivamente por lutarem a cavalo ou a pé.
Para além desta divisão, havia dois tipos distintos de soldados, os legionários que assim se chamavam porque incorporavam as legiões (pertenciam exclusivamente à infantaria) e os chamados de auxiliares, do latim auxilium (=ajuda), porque davam apoio ao exército romano.
Mas ambos legionários e auxiliares trabalhavam em equipa no campo de batalha. Os legionários eram sempre cidadãos romanos. A sua naturalidade e origem geográfica eram diversificadas, mas provinham das províncias menos civilizadas dos limites do território imperial. Quanto mais romanizada a região, menor contingente de legionários proporcionava. Uma província, logo que era conquistada fornecia tropas auxiliares, mais tarde com a romanização efectiva, passava a integrar indivíduos no exército como legionários, até que as províncias mais desenvolvidas deixavam de enviar contingentes, como era o caso da Itália e da Narbonne (Sul de França).

Não é fácil determinar com certeza absoluta o número de soldados dum exército.
Temos conhecimento, por exemplo, que Trajano contava com 30 legiões ao seu serviço:
Sabendo que cada legião tinha cerca de 5300 homens, isto dava um total de 159000 legionários.
A cavalaria auxiliar, por outro lado, contava com 80000 cavaleiros, mais 14000 soldados de infantaria auxiliar.
Se contarmos ainda com 10000 guardas do imperador e cerca de 11000 tropas contratadas e aliadas, o seu exército ascendia a cerca de 400000 homens.

Conseguimos facilmente imaginar as dificuldades de logística, para alimentar, vestir e pagar esta gente toda; e podemos tentar conceber os efeitos desta impressionante massa humana a deslocar-se por determinado território.

M.C.O.

quinta-feira, abril 15, 2004

Um dia na vida dum romano (2)

Para um cidadão romano de origem lusitana indígena, como eu, será a sociedade romana profundamente racista, ao ponto de demonstrar algum desprezo ou antipatia? Sinto eu, na vida quotidiana na grande cidade, alguma dificuldade de me inserir na sociedade pelo meu latim com sotaque hispânico e pela cor da minha pele e dos meus olhos?
Dum determinado ponto de vista, até poderia julgar que sim. Na verdade, o cidadão romano urbano, e nomeadamente o pertencente à classe patrícia, tem algumas atitudes que demonstram, pontualmente, o seu preconceito xenófobo e elitista.
Por exemplo, todos nós sabemos que os romanos consideram os cartagineses como um bando de mendigos, que os gregos são vistos como demasiado devassos, que os gauleses são qualificados de orgulhosos, e que nós os hispânicos, somos encarados como um pouco conflituosos.
Mesmo ao chamar alguns povos de bárbaros (um termo de origem helénica, aplicado apenas àqueles que falam línguas ininteligíveis e não sabem o idioma grego), os romanos estão a demonstrar toda a sua superioridade cultural para com as restantes civilizações.
Mas, por outro lado, constato que no dia-a-dia esse possível racismo não passa apenas de alguns conceitos e não se traduz em nenhum acção discriminatória concreta. Os habitantes das grandes cidades estão até habituados à diversidade cultural, devido aos inúmeros escravos estrangeiros, aos imigrantes, aos mercadores e aos indígenas como eu, de inúmeras origens étnicas e geográficas.
Nenhum cidadão vê as suas honras recusadas e a sua actividade profissional dificultada em função da sua origem geográfica ou da sua etnia. Até porque uma boa parte dos imperadores de Roma não eram sequer originários de Itália. Cláudio era gaulês de Lugdunum , Septímio Severo era africano (famoso pelo seu latim com acento púnico) e Trajano era hispânico como a minha gente.
A sociedade romana não é, de facto, racista. Embora não sendo muito igualitária – porque melhor é ter nascido do ventre de uma patrícia do que uma escrava – os romanos eram suficientemente abertos ao mundo externo, conseguindo conviver com tolerância com os restantes povos.

M.C.O.

quarta-feira, abril 14, 2004

Os últimos imperadores-V
Em conclusão, o que vemos nesta sucessão de imperadores? Não vemos um momento decisivo em que o império estivesse condenado à morte, mas uma lenta descida para o precipício com algumas reacções que com mais sorte poderiam ter salvo o império.
Os últimos imperadores tiveram algumas figuras bastante competentes e não se limitaram à figura estereotipada de governantes decadentes; mesmo assim, não conseguiram travar o fim, embora o império do ocidente, exceptuando em riqueza (mas talvez fosse esse o elemento de diferença!), não parecia estar em piores condições. Ambos estiveram dominados por meio século pelos descendentes de Teodósio que não fizeram qualquer esforço e entregaram o governo a eunucos e às mulheres das suas família (até Nero e Dominiciano governaram pessoalmente, mesmo que de forma déspota); mais grave, mantiveram-se completamente afastados do exército e deixaram que lentamente uma figura obtivesse o comando das forças militares (usando o título de Patrício ou magister militum); quando alguns imperadores quiseram recuperar as rédeas do poder nas mãos, foram obrigados a aceitar essa personagem e a dividir o comando. Ora se essas figuras se deixavam a princípio “assassinar” sem tocar no legítimo governante (Estilicão, Aécio), mais tarde Ricimer não teve tantos escrúpulos e nomeava os imperadores a seu bel-prazer.
A perda de Africa foi terrível pela privação de recursos, mas só com o domínio da Itália foi possível financiar várias expedições que conseguiram recuperar boa parte da autoridade imperial na península e na Gália; expulsar os bárbaros exigiria mais tempo. Ora aí está talvez o que faltou aos imperadores mais enérgicos: os seus reinados duravam no máximo 6 anos e com os seus assassinatos, os seus sucessores tinham de recomeçar tudo novamente, pois os bárbaros levantavam novamente a cabeça; um reinado de 20 anos talvez tivesse conseguido restabelecer a situação (o oriente nesse aspecto teve mais sorte).
Outro pormenor interessante a observar é a escolha de imperadores oriundos de boas famílias (senatoriais e consulares) com carreira administrativa e alguma experiência militar e que são nomeados ao contrário do que fora hábito durante muitos anos (em que o imperador era oriundo de uma família humilde que ascendia pelo seu pulso no exército e depois de uma luta obtinha a púrpura); talvez se um desses oficiais como Aécio ou semi-bárbaros tendo o comando das tropas e seu respeito se tivesse atrevido a proclamar-se imperador as coisas corressem de forma diferente.
Finalmente é de notar que a classe senatorial com o declínio da autoridade imperial volta a levantar a cabeça: marcam entraves ao seu poder (no recrutamento de homens, recolha de impostos) e preocupados unicamente com o seu bem próprio, sem qualquer interesse que ultrapassasse a sua Itália natal, estão indiferentes à sorte do império (que já não consideram seu) e preferem a submissão a um bárbaro que lhes garanta a manutenção dos privilégios. Faltava assim a capacidade de perseverança, que no auge da república levava ao recrutamento de exércitos atrás de exércitos que mesmo sendo esmagados acabariam por triunfar em relação ao inimigo pelo cansaço (mas nessa altura havia territórios a conquistar; neste período, os territórios em questão eram possuídos na maioria dos casos por outros romanos, uma vez que os bárbaros pouca terra ocupavam devido à sua escassez de números).
Q.F.M.

quarta-feira, abril 07, 2004




MATRONAS CÉLEBRES Como os estimados leitores se devem ter dado conta, tenho escrito sobre as vidas de importantes personagens do mundo romano. Em comum, para além de serem personagens famosas e/ou controversas, têm o facto de serem homens. Esta exclusividade do sexo masculino não é, contudo, política editorial deste blog; e, assim sendo, eis chegada a altura de narrar as vidas de insignes matronas que se por algum motivo se ilustraram no tempo de Cícero, César, Augusto ou Trajano.

Escolhi para tema deste texto inaugural a célebre Fúlvia, que foi casada com Clódio, Curião e Marco António.

O pai de Fúlvia, Flaccus Bambalus, pertencia a uma família que perdera os bens aquando dos tumultos que acompanharam a queda e o assassínio de Caio Graco; e como compensação pela perda da sua fortuna, bem como pela sua lealdade e dedicação à causa dos Gracos, Bambalus recebeu em casamento a filha de Caio, Semprónia. Fúlvia era, por isso, neta do grande tribuno (ver “Personagens V: Tibério e Caio Graco”).

Como única herdeira da vastíssima fortuna dos Gracos, Fúlvia era uma mulher rica e independente. Pôde, por isso, escolher com quem casar, coisa rara entre as filhas da nobreza romana.

A sua escolha recaiu sobre Públio Clódio Pulcher (Publius Claudius Pulcher), um célebre agitador, sobre o qual conto escrever em breve. Fúlvia apoiou activamente o marido nas suas lutas e polémicas políticas, que tanto chocaram o establishment da época. Fúlvia esforçava-se por destruir todas as tradições de que a sua bisavó, Cornélia (a mãe dos Gracos), se tornara o maior símbolo. Entre essas tradições, estava a não participação das mulheres na política; Fúlvia participava activamente nos Comitia, insultando e apupando violentamente os rivais do marido. Cícero, eterno inimigo de Clódio, não escapava ao seu ódio e rancor; e o célebre orador, por seu turno, também não poupava epítetos insultuosos quando se referia a Fúlvia. As atitudes varonis da neta de Caio Graco foram habilmente exploradas pela facção optimate, inimiga de Clódio e do seu "amo", César.

Depois do assassinato de Clódio por Milon (52 a.C.), Fúlvia não aceitou ficar afastada da política, fazendo tudo para “caçar” outro talentoso demagogo. E, desta vez, a presa foi Caio Escribónio Curião (Caius Scribonius Curio), um antigo companheiro de Clódio, que pertencia agora ao círculo de César. E, tal como o falecido Clódio, Curião exercia o cargo de Tribuno da Plebe como homem de mão de César. Este terá pago umas dívidas antigas do novo marido de Fúlvia, passando Curião de inimigo a fiel partidário do grande general. Mas não por muito tempo, uma vez que tombou em combate, no Norte de África, numa emboscada organizada pelos partidários de Pompeu (49 a.C.).

Mais uma vez viúva, Fúlvia depressa encontrou novo marido. E a escolha recaiu novamente um político ambicioso, que em tempos pertencera ao círculo de Clódio e que agora era um dos fiéis lugares tenentes de César: Marco António.

Fúlvia serviu-se dos sucessivos maridos tanto quando eles se serviram dela. Ela aproveitou-se da posição deles para conseguir desenvolver actividade política; eles, por seu turno, aproveitaram-se da fortuna de Fúlvia para impulsionar as respectivas carreiras políticas.

Este, à semelhança dos seus predecessores no leito de Fúlvia, não se fez rogado em relação a aceitar dinheiro da mulher. E, com efeito, fez bom uso dele, de modo que quando César caiu assassinado, conseguiu assegurar o apoio dos veteranos e de certos sectores da sociedade romana. Como mulher de um dos triúnviros, Fúlvia era agora extremamente poderosa. Mas com o marido no Oriente e fracassando Fúlvia no seu papel de guardiã dos interesses de Marco António em Itália (o que também não admira, tendo a seu lado o cunhado, Lúcio António, um pateta de renome), rapidamente caiu em desgraça. Não obstante tenha conseguido recrutar oito legiões – coisa inédita até então, pois jamais uma mulher romana participara em conselhos de guerra – foi obrigada a render-se a Octávio, o futuro Augusto.

Fúlvia partiu de seguida para a Grécia, onde morreu no ano 40 a.C.. As tradições divergem neste ponto: segundo alguns autores, António teria recusado vê-la no leito de morte, por a considerar responsável pela derrota do seu partido em Itália. Outros dizem que ela faleceu com o marido a caminho para a ver.

Com a sua morte, ficou aberta a porta para a reconciliação entre António e Octávio. A irmã deste último foi dada em casamento ao primeiro, e os triúnviros coexistiram em paz durante mais alguns anos.

Como curiosidade, e como prova do papel desempenhado por Fúlvia na política romana, resta referir que ela foi a primeira mulher a ser representada nas moedas romanas (para além das figuras mitológicas).


C.J.P.

terça-feira, abril 06, 2004

O Monte Testaccio ou ‘Monte dos Testos’ fica situado em Roma, junto à margem do rio Tibre, e é um dos sítios arqueológicos mais singulares do mundo.



Trata-se dum relevo artificial que, actualmente, ocupa uma área de mais de 2,2 ha e tem 50 m de altura. O monte é resultante da acumulação de milhões de ânforas vindas das províncias para a capital do Império romano, carregadas de vinho e azeite.



A maior parte das ânforas eram de fabrico hispânico e outras do norte de África. O seu estudo é fundamental para entender as relações destas províncias com a capital, mas também providencia dados importantes sobre a produção local destes bens de consumo.
O azeite chegado a Roma era transvazado para odres de pele e as ânforas, como recipientes não reutilizáveis, foram sendo despejadas numa enorme lixeira, produzindo esta acumulação ciclópica que, com o passar do tempo, formou um cerro artificial.
A cronologia dos restos das ânforas do Testaccio, segundo os especialistas, cobre um período que vai desde o Imperador Augusto até meados do século III d.C., altura em que o comércio diminui, em consequência, provavelmente, das primeiras invasões bárbaras.



M.C.O.

Os últimos imperadores-IV
Gundobad escolheu Glycerius (473-474) que fora comandante da guarda, como imperador. Se os seus antecessores pouco espaço de manobra tinham, este não tinha nenhuma. Curiosamente, o imperador do oriente nomeou outro imperador para o ocidente (Nepos) por não reconhecer Glycerius e como este vira o seu “protector” partir para a Gália ficou sem tropas. Acabou por ter sorte, pois Nepos limitou-se a despoja-lo da púrpura, torna-lo bispo e sobreviveu pelo menos até 480. Nepos (474-475) pouco depois de se acabar de estabelecer foi expulso pelo seu patricio Orestes; conseguiu fugir para a Dalmácia, onde continuou a reivindicar o título de imperador até à morte em 480 (mesmo em Itália continuaram a ser cunhadas moedas em seu nome e do imperador do oriente); tentando nessa data lançar uma expedição a Itália, foi morto pelos seus próprios partidário. Ora assim morria o último legítimo imperador do ocidente. Orestes decidiu então nomear o seu próprio filho Romulus Augustulus em 476 (ironicamente tendo o nome do fundador de Roma e um diminuitivo do primeiro imperador). Orestes enfrentou uma revolta dos seus mercenários, foi morto mas Odoacro foi generoso e a Romulus ao ser-lhe retirada a coroa, foi exilado com uma boa pensão: pensando bem, foi o que teve mais sorte
Q.F.M.

segunda-feira, abril 05, 2004

Os últimos imperadores-III
Ricimer decidiu nomear Libius Severus (461-465) imperador, embora Leão não o reconhecesse nem o que restava dos territórios fora de Itália. Não se destacou mas segundo Sidonius Apollinaris, teria morrido de morte natural, um evento verdadeiramente notável. Ricimer não nomeou sucessor, até que Leão escolheu Anthemius (467-472), (povavelmente um grego pelo nome) de uma família senatorial do oriente, que ocupou vários cargos e casou com a filha do Imperador Marciano (450-457), também do oriente. Ricimer teve de aceitar Anthenius como imperador, mas este casou a sua única filha com Ricimer. Em 468, o ocidente e oriente decidiram lançar uma custosa expedição naval conjunta contra os Vândalos (com mais de 100.000 homens segundo os cronistas) que fracassou novamente (arruinando o que restava das finanças do império do Ocidente). Algumas tentativas fracassaram para restabelecer o controle na Gália e Hispania; o que restava de Romano obedecia às ordens dos comes (condes) locais, mesmo que aceitassem nominalmente a sua autoridade. Ricimer é que não viu com bons olhos toda essa actividade e entraram em guerra civil, com a classe senatorial (afinal ele era do oriente) a apoiar novamente Ricimer com o resultado que se tornara habitual. Ora, Leão tentara arbitrar esse conflito e enviara um senador italiano estabelecido no oriente, Anicius Olybrius (472) que era casado com a filha mais nova de Valentiano III; Ricimer quando decidiu livrar-se de Anthenius proclamou-o imperador; ora Ricimer morreu pouco tempo depois, sucedendo-lhe o sobrinho Gundobad como Patricio, morrendo a seguir Olybrius.
Q.F.M.

sexta-feira, abril 02, 2004

Os últimos imperadores-II
Julius Valerius Majorianus (457-461) foi assim o novo imperador. Membro de uma família que já servira gerações de imperadores e tendo comandado tropas, foi nomeado comes domesticorum, por Valentiano III. Tendo pretensões ao trono e tendo-se livrado de Avitus, pediu a Leão o Imperador do Oriente que o proclamasse Imperador, mas este (tentando talvez adquirir autoridade no Ocidente) limitou-se a nomea-lo magister militum; depois de uma vitória contra os alamanos a norte de Ravenna (!), Majorianus proclamou-se imperador e uns meses depois Leão não teve outro remédio senão reconhece-lo. Só a Itália o reconhecia, pois os notáveis da Gália ficaram furiosos por perder o “seu” imperador Avitus e a Hispania era longe demais. Misturando diplomacia e força conseguiu restabelecer boa parte da autoridade imperial na Gália e Peninsula Ibérica e a submissão dos bárbaros aí instalados (pelo menos provisoriamente), mas falhou a conquista da província mais rica, Africa que estava nas mãos dos Vândalos (que fizeram raids pelo mediterrâneo). Legislou abundantemente para tentar resolver o que era visto como os males do império (corrupção, venalidade, rapacidade dos cobradores de impostos, poder dos grandes proprietários), perdoou dívidas; talvez seja sintomático de que mal tenha regressado dessas expedições, tenha sido assassinado por Ricimer um magister militum bárbaro que tinha o apoio dos senador romanos…
Q.F.M.