Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

sexta-feira, outubro 29, 2004

O Asterix tem razão.



A propósito dos 45 anos de vida de Astérix que se comemoram hoje, recordo como ele tinha razão em se espantar com a loucura dos romanos.
Se atentássemos demoradamente para o gosto dos romanos e para a postura dos seus dirigentes políticos, naqueles tempos, éramos capazes de manifestar o nosso desagrado, ou não... Ontem, como hoje, repetem-se as atitudes.
Vejamos algumas coisas que se contam dos Imperadores romanos:
O imperador Tibério tinha como hábito partir as pernas de quem lhe desobedecesse e morreu aos 80 anos de idade, provavelmente sufocado pelo seu ajudante.
O imperador Calígula, cujo nome verdadeiro era Gaio, era conhecido por esta alcunha que significa “que calça sandálias”, porque desde tenra idade gostava de se mascarar e brincar aos soldados. Uma das usa frases preferidas foi: «Acaba de me ocorrer que basta um gesto meu e as vossas cabeças serão cortadas», e outra famosa: «Matem todos os homens entre aquele careca e aquele além» ou ainda esta: «Roma é uma cidade de pescoços à espera que eu os mande cortar».
Chamou-se a si próprio Deus e nomeou cônsul o seu cavalo preferido Incitatus. Em determinado ritual de uma cerimónia sacrificial de vários animais, era entregue ao Imperador um martelo, com o qual ele bateria na cabeça daquele que escolhesse para ser sacrificado. O sacerdote aguardava a decisão para cortar o pescoço ao animal. O Imperador bateu antes com o martelo na cabeça do sacerdote!
O imperador Cláudio, que era gago, tinha como passatempo predilecto ver criminosos serem torturados até à morte. Descobriu que a sua mulher Messalina gostava de grandes festas agitadas com os seus amigos, e este, não só a mandou executar, como também aos seus 300 amigos. Morreu envenenado com cogumelos pela sua sobrinha Agripina (com quem se tinha casado entretanto).
O imperador Nero, para além da sua fama de ter provocado o incêndio de Roma e de tocar pessimamente lira (chegando a dizer às portas da morte «que grande perda serei para a arte da música»), mandou matar a sua primeira esposa Octávia, e mandou a cabeça à nova noiva Popeia, mas também esta foi assassinada mais tarde. Perseguiu cruelmente os cristãos, crucificando-os, cobrindo-os de peles de animais e atirando-os aos animais selvagens, entornando por cima deles alcatrão e incendiando-os, ou até pelo facto de gostar de se mascarar a si próprio com peles de feras, enjaular-se como um animal, soltar-se e matar as vítimas como um selvagem.
O imperador Heliogábalo tinha como passatempo coleccionar teias de aranha, às toneladas.
O imperador Honorário adorava frangos, um deles tinha até o nome de Roma e estava escondido na sua mansão rural, a salvo do exército invasor dos godos. Quando a cidade de Roma foi devastada por Alarico e o seu exército, chegou um mensageiro que disse: «Roma está perdida!». Honorário ficou destroçado, até que alguém o informou que a mensagem se referia à capital e não à galinha.

M.C.O.

quarta-feira, outubro 13, 2004

A Literatura Romana no Baixo-Império-I
Se do séc. I A.C. até ao séc. II as letras latinas tinham tido um brilhante desenvolvimento, (Cícero, Virgílio, Tácito), posteriormente entrou-se numa estagnação. Manteve-se um culto pela retórica e a eloquência, a arte de bem escrever, mas fixando-se nos modelos gloriosos do passado não se dava importância à inovação (preocupando-se mais com a forma do que propriamente com o conteúdo). O contraste era ainda maior, se comparado com o verdadeiro renascimento que a literatura grega sofre.
Os séc. IV e V, não deixaram obras de literaturas que ao gosto actual se pudessem considerar obras-primas comparáveis ao que se fizera séculos antes; podemos destacar no entanto algumas figuras reconhecidas nesse período (e já agora, ver o panorama da escrita em geral).
Quero fazer uma ressalva: li alguns textos em português, outros em inglês (outros não consegui pura e simplesmente arranjar, de modo que terei de confiar na opinião de outros autores sobre o assunto); assim, os meus comentários pessoais estarão obviamente limitados quando me referir à qualidade da escrita.
Q. Aurelius Symmachus foi um prefeito e cônsul em Roma; mantendo-se pagão, quando o imperador Graciano mandou retirar da entrada do Senado o altar da Vitória, fez um pedido (ou súplica) para demover o imperador (apelando à necessidade de tolerância para com as crenças dos outros). Foi considerado pelos cristãos como um documento temível pela sua eloquência (que se lê muito bem, dado que não está carregado com figuras de estilo como sucede com outros).
Ammianus Marcellinus um oriental de Antioquia que escreveu em latim (em vez de grego como seria normal). Escreveu livros de história, é considerado fiável, não perdendo tempo com anedotas (como Suetónio por exemplo), tentando dar panorâmicas da situação e explicações.
Flavius Vegetius- Durante muitos anos, foi considerado “a autoridade” em assuntos militares (até ao séc. XVIII); foi depois considerado um amador que misturava elementos técnicos militares do passado que considerava brilhante de Roma, com elementos seus contemporâneos sem que se saiba muito bem o que era de quando dado que não perdia tempo a distinguir épocas... Continua no entanto a ser a melhor fonte para história militar(desde que completado com a iconografia e a arqueologia).
Claudius- Um outro oriental (alexandrino) que escreveu poesia em latim; os seus temas continuam a ser da mitologia clássica; os especialistas consideram que revela um domínio da língua notável para a época (mesmo que não fosse propriamente original).
Macróbio- Nas suas saturnais, discute diversos assuntos sob forma de diálogo.
Q.F.M.

quinta-feira, outubro 07, 2004

Uma lição para os dirigentes de hoje: «Como não cometer um erro crasso

O cônsul e general romano Marcus Licinius Crassus foi, na sua época, um dos homens mais ricos de Roma e recebeu por isso o cognome Dives.
Mas, tal renome, não lhe permitiu evitar a morte na Batalha de Carres, contra os partos, em 53 a.C.
Crasso sonhava possuir uma província importante. Desejou a glória militar e atacou os partos, que eram os seus vizinhos da fronteira oriental. Os romanos não tinham quaisquer problemas com os partos e Crasso declarou guerra apenas por pura ambição.
Crasso pôs em marcha o seu exército para o Oriente, mas várias peripécias, traições e a pior sorte do mundo caíram sobre ele. Para além disso, Crasso estava rodeado por legados que só pensavam em si mesmos e por um exército desmoralizado, sem confiança no seu general. Estas circunstâncias, juntamente com o facto de Crasso não ser um génio militar, determinaram a desastrosa derrota romana. Ter dinheiro para pagar um exército não era suficiente para ganhar todas as batalhas.
Durante a marcha para nascente, o exército de Crasso caminhou sem encontrar nenhum inimigo, mas quando chegaram perto de Carras (a Harran da Bíblia), a cavalaria dos partos irrompeu subitamente. O exército romano estava totalmente desmoralizado e a guerra já estava condenada, desde o início, pela péssima planificação. Um dos seus primeiros erros foi enviar uma força de soldados a pé para lutar em terreno aberto contra um inimigo montado a cavalo e armado de arcos e flechas. Os partos eram excelentes guerreiros, muito temidos pela sua destreza no manejo do arco e levavam todos os seus cavalos para a guerra, dispondo, assim, sempre de cavalgadura descansada. O inimigo perseguido pelos partos não tinha possibilidades de escapar.
Confiante na superioridade numérica do seu exército e disposto a massacrar o inimigo de rompante, Crasso decidiu cortar caminho por um vale estreito para ganhar tempo. Todos os generais da altura sabiam que esta opção militar só levava à derrota. O seu erro foi algo que ninguém, no seu perfeito juízo, cometeria e a sua decisão tornou-se a mais estúpida da história militar: os sírios fecharam as duas únicas saídas do vale e o exército de Crassus foi completamente dizimado. Crasso morreu junto com 30.000 bons soldados, e apenas a quarta parte conseguiu escapar da morte. Os estandartes das 7 legiões caíram em mãos de partos e lá permaneceram durante 30 anos, até que Augusto conseguiu, depois de anos de negociações, que as aquila fossem devolvidas a Roma.
Em memória deste néscio equívoco militar nasceu a expressão "erro crasso".

M.C.O.

sábado, outubro 02, 2004



O ALTAR DA VITÓRIA Durante séculos, os senadores romanos prestaram juramento solene junto do altar da Deusa da Vitória, existente na Sala do Senado, em Roma. Recitando orações imemoriais e com libações de vinho e incenso, os poderosos “claríssimos” honravam assim as antigas divindades pagãs.

No século IV, o imperador Constantino mandou retirar o Altar da Vitória. Seria reposto alguns anos depois, por Juliano – apelidado “O Apóstata”, devido à sua tentativa de restabelecer o paganismo com religião oficial do império. Todavia, apenas duas décadas depois, no ano 382 da nossa era, o imperador Graciano voltou a mandar retirar o altar.

Ora apesar destas decisões imperiais, a maioria da aristocracia senatorial era ainda assumidamente pagã. E já no reinado de Valentiano II, sucessor de Graciano, quatro deputações de notáveis pagãos imploraram ao imperador que recolocasse o altar. O seu líder era o senador Símaco, Prefeito da Urbs, pontífice, áugure e Procônsul de África, um dos mais respeitados nobres romanos. Símaco defendeu a reposição do altar em termos eloquentes: “Concedei, imploro-vos, que nós, que somos velhos, possamos deixar para a posteridade aquilo que recebemos em rapazes”. E continuava: “Todas as coisas estão cheias de Deus e não há lugar que seja seguro para os perjuros, mas o receio da transgressão é grandemente espicaçado pela presença da divindade”. De seguida, Símico invocava a própria Aeterna Roma:

“Deixai que use as minhas cerimónias ancestrais – diz ela -, pois que delas não me arrependo. Deixai-me viver à minha maneira, pois que sou livre. Foi este o culto que expulsou Aníbal das muralhas de Roma e os Gauleses do Capitólio. É para iso que me mantendes, para ser castigada na minha velhice? (...) Apenas peço paz para os deuses dos nossos antepassados, os deuses nativos de Roma. Está certo que aquilo que todos adoram seja considerado um só. Todos contemplamos as mesmas estrelas. Todos temos o mesmo céu. O mesmo firmamento nos abarca a todos. Que interessa qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade? Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo. Tudo isto é matéria de discussão para homens ociosos. O que apresentamos a vossas majestades não é um debate, mas um pedido.”

A resposta a Símaco veio da parte de Santo Ambrósio, Bispo de Milão e mentor espiritual do imperador Graciano:

“Porquê citar-me os exemplos dos antigos? Não há mal nenhum em mudar para melhor [nullus pudor est ad melora transire]. Tomemos o exemplo dos antigos dias de caos em que os elementos voavam por todo o lado, numa massa desordenada. Pensemos em como o tumulto se apaziguou na nova ordem dum mundo e como esse mundo desde então se desenvolveu, com a invenção gradual das artes e os avanços da história humana. Suponho que, nos velhos tempos do caos, as partículas conservadoras se terão oposto ao advento da nova e vulgar luz do Sol que acompanhou a implantação da ordem. Mas, mesmo assim, o mundo avançou. E nós, cristãos, também crescemos; e a grande diferença entre nós e vós é que o que vós procurais por conjecturas nós conhecemos. Como posso fazer fé em vós quando confessais que não conheceis o objecto do vosso culto?”

Será interessante contrapôr a abertura de espírito de Símaco (“Que interessa qual a teoria erudita a que cada homem recorre para procurar a verdade? Não há apenas um caminho para nos conduzir a tão poderoso segredo”), às certezas absolutas e dogmáticas de Ambrósio (“a grande diferença entre nós e vós é que o que vós procurais por conjecturas nós conhecemos”). Esta batalha entre o cristianismo “dogmático” e o paganismo “tolerante” foi vencida pelo primeiro. E o seu desfecho condicionaria a história política e religiosa da Europa no milénio seguinte, tal como a evolução das artes, da filosofia e da ciência.

C.J.P.

Nota: a imagem em cima é de uma estátua da deusa grega Nike, que no panteão helénico correspondia à deusa romana Victoria.