Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

terça-feira, janeiro 30, 2007

Resignação
No livro de Bryan, é contada uma história que me chamou à atenção. Um aristocrata romano do séc. IV ia assistir a um combate entre prisioneiros saxões. Ora estes decidiram que em vez de combater até à morte para dar um bom espectáculo, iriam suicididar-se colectivamente. O aristocrata ficou indignado com a atitude dos prisioneiros mas comparou a sua resignação e estoicismo perante a adversidade (ser privado de um bom espectáculo) com a de Séneca quando foi ordenado matar-se por Nero.
Q.F.M.

sexta-feira, janeiro 12, 2007

A queda de Roma e o fim da civilização por Bryan Ward-Perkins
Acabei de ler o livro. Bem, o livro é como o próprio autor admite, uma reacção contra uma série de autores que defendem que a queda do império romano não teve qualquer consequência (eu tive de ler um na faculdade de Henri Pirene que defendia essa tese). Explicando o contexto, se até à segunda guerra mundial, ninguém punha em causa que o império fora destruído centrando-se a discussão se isso fora porque os romanos eram decadentes/civilizados e os germanos selvagens/robustos (conforme se era pró-latino ou pró-germano), com a união europeia começou-se a colocar de parte essas questões para não ofender os nórdicos. O livro de Peter Brown tinha uma abordagem diferente (que é genial segundo as próprias palavras de Bryan Perkins), procurava observar o lento transformar da sociedade romanas. Começávamos com o ainda principado de Marco Aurélio, seguíamos pela crise do séc. III, a ascensão dos cristãos, a conquista do império pelos bárbaros e a convivência forçada, levando a uma lenta transformação/absorção da aristocracia romana e da sua cultura pelos germanos. Vemos assim o desfilar e de um mundo e de mentalidades, com a aristocracia romana a transmitir a velha cultura, impermeável às mudanças à sua volta.
Este ponto de vista foi imediatamente usado e levado às ultimas consequências, por outros autores que chegavam a propor que ninguém notara a queda do império (ou que até fora benéfico), que os bárbaros se limitaram a instalar-se pois pretendiam melhorar as suas condições de vida sendo rapidamente tolerados pela população local miscigenando-se formando as bases da população da Europa ocidental). A política contemporânea e o reabilitar do multiculturalismo, levou a que muitos considerassem Roma como uma opressora material, social e cultural, impedindo os povos autóctones de se desenvolverem (como os celtas), ao mesmo tempo que o estudo dos clássicos entrou em declínio.
Ora Bryan tem uma opinião radicalmente diferente. Com as diferentes crónicas da época (a começar pelo nosso Idácio), não custa ver que as invasões se fizeram com o habitual cortejo de destruição, roubo e mortes. Os confiscos de terras em proveitos dos vencedores, e na maioria dos casos a religião diferente professada pelos bárbaros eram outros factores contra as potenciais boas relações (além de que ninguém gosta de ver um bando de estrangeiros a entrar pelo seu território dentro).
Bryan sendo um arqueólogo, procurou através dos vestígios materiais, ver se existe alguma modificação no padrão de vida. E a conclusão é que sim. Estudando unicamente a população humilde (e não a aristocracia), pôde observar que o cidadão comum romano quer habitasse na Bretanha (o fim do mundo), quer no norte de africa, tinha acesso a uma série de bens de consumo (sobretudo através dos restos das ânforas que eram utilizadas para armazenar vinho e azeite, pode-se observar que as populações consumiam produtos externos à sua própria terra, não se limitando assim a uma economia de subsistência, embora outras provas sejam dadas), terminando esse consumo no período pós-romano, em que a população se limita a uma economia de subsistência (segunda metade do séc. V). Também o tamanho das cidades diminui muito (ao mesmo tempo que desaparecem aldeias), implicando uma contracção demográfica, que dificilmente se coaduna com uma economia próspera. Isto obviamente no ocidente, pois no oriente, a ausência de invasões não afectou a economia, até que as guerras sucessivas contra árabes, avaros e eslavos arruinou os bizantinos por seu turno (isto no séc. VII).
Também apresentou diversos argumentos para a queda do império do ocidente. Um deles chamou-me a atenção. Quando os bárbaros entraram pelos dois impérios (passando o Reno e Danúbio) no ocidente pararam na península ibérica (logo tinham acesso às 3 ricas províncias de Itália, Gália e Hispânia), tendo de parar aí devido ao mediterrâneo, permitindo que o ocidente tivesse como províncias de reserva a Africa e as ilhas que lhes davam ainda recursos financeiros e humanos para aguentar. Ora, estando a frota romana a proteger os carregamentos de trigo de africa para Roma, não podia estar na península ibérica, e assim que os vândalos conseguiram construir barcos (que não tinham de ser muito ser muito sofisticados) a reserva perdeu-se (o convite do conde Bonifácio não ajudou à situação). No oriente os diferentes povos podiam arrasar tudo nos Balcãs, mas chegando ao mar negro não podiam avançar, e sendo uma zona fundamental, a frota romana oriental estava aí concentrada não os deixando passar; logo as ricas províncias da Anatólia, Síria e Egipto estavam fora do alcance bárbaro, mantendo os cofres cheiros (além de serem zonas muito mais vastas que a africa e as ilhas), que podia continuar a suportar um exército grande (coisa que não sucedeu no ocidente). Isto somado a muita incompetência e azar liquidou o império do ocidente. Um bom argumento
A minha opinião sobre o livro: é um livro cheio de argumentos muito fortes e lúcido (ele aponta possíveis fraquezas dos seus pontos de vista, mas de facto eles são bastante convincentes, mas eu já estava convencido à partida).
A maior falha deste livro, é uma questão de estilo: o livro é de um arqueólogo realista que examina provas e as desmonta, contrapondo (com provas) o que considera correcto. Ora Peter Brown é um erudito, que estuda sobretudo as mentalidades e consegue recriar o mundo romano, levando-nos a empatizar com os pagãos que assistiam à remoção do altar da Vitória em Roma, ou dos aristocratas que na Gália do séc. V ainda se reuniam para fazer jogos literários, enquanto que as cidades eram cercadas pelos bárbaros. Bryan vai ao cérebro, mas Peter Brown ao coração.
Q.F.M.

sexta-feira, janeiro 05, 2007

Livros
Novo ano e novos artigos.
Muitos dos livros da Osprey tem o mesmo defeito que a comida dos shopings: são caros, maus e de pouco conteúdo, mas muitas vezes tem de se recorrer a eles à falta de melhor. Não é o caso dos 2 livros que vou apresentar (embora sejam caros).
“The Late roman infantryman 236-565” e “The late roman cavalryman 236-565”, colecção warrior, editora osprey. Referem-se ambos ao exército romano dos séc. III-VI. Descrevem as dificuldades que o exército romano sentiu ao ser atacado em frentes tão diversas (Reno, Danúbio, Eufrades) e a necessidade de formar reservas em profundidade caso as tropas da fronteira fossem vencidas e de criar forças de cavalaria de rápida intervenção. É descrito o novo sistema com unidades estáticas (limitanei), e móveis (comitatus, palatina). Se no séc. IV a legião (mesmo que reduzida) ainda é a rainha das batalhas, no séc. VI a cavalaria é a única quase que combate (mas não nos é muito bem explicado como se dá esse processo). É-nos apresentado o recrutamento, o treino, o armamento, e a descrição do que seria uma vida em campanha (sobretudo para o reinado de Juliano e depois em menor grau sobre Justiniano).
O livro contém alguns erros de terminologia de unidades (isto eu li em criticas, porque o meu latim não chega para tanto).
O livro é bastante magro para o séc. V (mas as fontes não ajudam), de modo que não seguimos a transformação do exército que no séc. VI é bastante diferente do que era antes.
Os livros concentraram-se em determinados aspectos e não vale a pena pensar naquilo que eles deixaram de fora (o tamanho também não ajuda). Embora sejam complementares um do outro, se o leitor tivesse de escolher um, o melhor era o da cavalaria. Ambos contém um pequeno glossário que é bem vindo, para distinguir os equites, clibanarii, scolae e outras tantas unidades. E finalmente desmonta o mito de que o exército do final do império era mau.
Q.F.M.