Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

quarta-feira, janeiro 02, 2008

Os primeiros cristãos
Vou escrever sobre os cristãos; do período que vai ser desde a destruição do templo de Jerusalém, até o édito de tolerância de Constantino.
Pelo que se sabe, a comunidade cristã de Jerusalém fugira da cidade, nas vésperas da invasão romana; tinham tentado manter-se unidos na medida do possível, mas por um lado a perseguição feita por parte das autoridade judaicas, e sobretudo a iminência da invasão romana levou a que a comunidade se recusasse a sofrer as consequências da guerra (aliás como parte da população). Passada a conquista, voltaram e habitaram a cidade e os judaico-cristãos continuaram a ser fortemente influenciados pelo judaísmo. Fora da Judeia, as coisas passavam-se de forma distinta. Na zona imediatamente ao redor (Samaria, Síria), para além das comunidades “ortodoxas” (se podemos usar este termo), surgiram grupos que revelavam influências de seitas judaicas (como os essénios que aliás parecem ter influenciado os primeiros cristãos) e mais tarde surgiram os gnósticos. Restam-nos alguns evangelhos e documentos que nos permitem ter uma certa ideia do que eles defendiam (embora cada seita, e muitas vezes cada comunidade tivesse as suas próprias particularidades). Acreditavam de forma geral numa criação dual, sendo tudo o que era espiritual (inclusive as almas) era bom e criado por um ser igualmente bom, e tudo o que era material (inclusive os corpos) era mau, sendo criado por um demiurgo.
Fora dessa área, as comunidades dividiam-se entre judaico-cristãos (judeus de origem cristã) e pagãos-cristãos (cristãos de origem pagã), embora o primeiro fosse o mais visível e importante. Os primeiros continuavam a seguir grande parte das tradições judias (circuncisão, jejuns, respeito do sábado, etc), enquanto os outros foram criando os seus próprios hábitos com numerosas influências (e tivessem tido a vantagem de ter tido S. Paulo a orientá-los que os legitimou ); em Roma chegava-se ao ponto dessas comunidades não coexistirem (embora todas do ponto de vista doutrinal e ritual fossem ortodoxas- de acordo com os critérios da época). As polémicas estalavam entre os grupos (aliás o próprio novo-testamento faz eco delas).
Lentamente, à medida que o fluxo de pagãos aumentava e o de judeus estancava os judaico-pagãos foram tornando-se mais importantes ao ponto de absorver em finais do séc. II o primeiro grupo (com excepção da Judeia). Os cristãos sofrendo perseguições episódicas encaravam de forma distinta a sua relação com o estado romano: ora como a legitima autoridade a quem se devia respeito e obediência (S. Paulo) ora como a besta anti-cristo (livro do Apocalipse). A questão da obrigatoriedade do sacrifício ao génio do imperador (uma forma de mostrar a sua fidelidade), veio envenenar a situação, pois os cristãos estavam vedados de o fazer, sendo encarados deste modo como potenciais traidores. A mentalidade de grupo restrito e de cerco foi-se assim prolongando.
Entretanto, no século III a situação modificou-se radicalmente e as questões foram-se alterando. O número de convertidos aumentou drasticamente, mas a qualidade desses convertidos segundo alguns membros teria diminuído. A apostasia em caso de perigo aumentou e acabou por levar à transformação de um sacramento que até então era concedido uma única vez em vida: o da confissão, que poderia ser dado em qualquer ocasião (desde que se considerasse que houvera real arrependimento). Acabou por haver duas formas de encarar a situação: entre os que preferiam uma igreja de “santos”-poucos e bons (como Tertuliano), recusando tudo o que fosse possível do mundo pagão e procurando o martírio, a maioria da hierarquia preferia tentar englobar o máximo de pessoas possível, com uma religião mais acessível.
Do ponto de vista intelectual, o cristianismo foi-se também modificando. Durante os primeiros séculos, os seus autores limitavam a especulação teológica ao mínimo; os que ultrapassavam certos limites, tornavam-se rapidamente heréticos de acordo com a concepção da maioria. A posição ortodoxa era de defesa contra esses grupos e contra os pagãos. Origenes é o primeiro autor de grande plano que desenvolve um sistema teológico amplo. Várias das suas posições seriam consideradas heréticas séculos depois, simplesmente como quase não restam escritos seus, é difícil saber o que ele defendeu efectivamente, e o que foi por outros autores que usaram o seu nome. Sabemos que ele era fortemente influenciado pelo Platonismo (o neo-platonismo iria ser criado por um colega de escola seu, Plotino).
Q.F.M.