Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

terça-feira, março 23, 2004

Quando as pedras falam... (2)

O estudo da viação romana é uma das temáticas preferidas dos investigadores da civilização clássica em Portugal. O inventário das calçadas e das pontes e a definição do traçado das primitivas estradas romanas têm deslumbrado inúmeros eruditos e curiosos. Esta análise deve, no entanto, pautar-se pela prudência e pelo recurso constante a uma diversidade de fontes, de modo a delinear correctamente a primitiva rede viária do território.
Grande parte do conhecimento actual deve-se ao achado e estudo dos marcos miliários. Nestas colunas de pedra com inscrições latinas gravadas é relembrado o nome do Imperador promotor e é assinalada a distância, em milhas terrestres, ao núcleo urbano mais importante ou ao limite fronteiriço mais próximo. O seu número ascende em Portugal a cerca de 300 exemplares, descobertos sobretudo a norte do Douro. A análise da sua distribuição geográfica e do teor dos textos epigráficos marcados nesses padrões viários faculta-nos diversas informações, suprindo as limitações das fontes literárias.
Basta o achado dum destes marcos para considerar a passagem duma via romana nas imediações. No entanto, relembramos que se conhecem casos de deslocações profundas, do primitivo local de origem, que podem iludir os investigadores. Um miliário conhecido e descrito no século XVI em Santo Estevão (Sabugal) esteve desaparecido durante séculos e só foi redescoberto no Sabugal, a 8 km de distância, por Fernando Patrício Curado



A coincidência entre a anterior leitura e a nova observação do padrão permitiu-lhe constatar que se tratava da mesma epígrafe. A sua releitura evitou que se pudessem estabelecer conjecturas viárias erróneas.
Os marcos miliários balizavam as vias mais importantes, talvez não de forma sistemática, milha a milha, mas apenas nos pontos mais relevantes, junto às cidades e próximo dos limites territoriais. Esta marcação era também sucessivamente repetida por cada novo Imperador. É o que parece ter sucedido entre Belmonte, Valhelhas e Famalicão onde foram identificados cerca de 11 miliários pertencentes ao mesmo itinerário.
Porém, em outras estradas romanas estes monumentos escasseiam de forma estranha. No território de Pinhel, Trancoso, Mêda, Almeida e Castelo Rodrigo, não está registado o achado de miliários. Apenas no concelho do Sabugal foram encontrados dois marcos e entre a Capinha (Fundão) e a Ponte de Alcântara (Espanha) outros três. A importante via entre Ciudad Rodrigo e Salamanca é também assinalada apenas por um exemplar isolado.
Porque não aparecem os miliários das restantes vias que atravessavam a Beira interior? Terão sido apenas colocados em sítios pontuais e em eixos viários específicos? Deve-se à falta de investigação e de prospecção? Haverá ainda peças à espera de serem descobertas e aguardando a passagem dum arqueólogo pelo lugar?
Sempre que alguém encontrar uma coluna de granito com estranhas letras gravadas, pode seguramente estar perante um achado fabuloso que os investigadores tanto procuram. Próximo deverá passar uma estrada romana.
M.C.O.