Roma Antiga

Blog sobre a Roma Antiga: história, cultura, usos e costumes.

segunda-feira, março 22, 2004




PERSONAGENS (IV): CAIO MÁRIO Caius Marius provinha de uma família de humildes camponeses de Arpino, no Lácio. O facto de não ter origem genuinamente romana, e de ser apenas um soldado raso que subiu pouco a pouco – mercê da suas extraordinárias capacidades militares – valeu-lhe o desprezo da aristocracia romana, os optimates. Nascido em 157 a.C., destacou-se no cerco de Numância (133 a.C.), ascendendo na carreira militar de forma fulgurante, pela mão do célebre Cipião Emiliano, que via nele um soldado brilhante.

De seguida enveredou pela política, sendo eleito Tribuno da Plebe em 118 a.C., e Pretor três anos mais tarde. Foi depois Governador da Hispânia Ulterior (que englobava a Lusitânia), onde enriqueceu graças às minas de prata da província. Além disso, ficou célebre a forma rápida e eficaz com que limpou a Hispânia do bandoleirismo endémico que então a afectava.

Em 109 a.C., sendo já um general de renome, foi enviado para a Numídia (actual Argélia) como lugar-tenente de Cecílio Metelo, aristocrata romano a quem fora concedido o comando da guerra contra Jugurta, que usurpara o trono daquele país. Mário tinha já intenções de se candidatar ao consulado, e quando pediu ao seu superior a necessária autorização para regressar a Roma de modo a poder disputar as eleições (107 a.C.), este respondeu-lhe com uma frase que ficaria na História, e que mostra bem o desprezo dos patrícios pelos plebeus, com quem não queriam partilhar o poder político: “poderás regressar a Roma quando o meu filho tiver idade para disputar o consulado”... o mesmo seria dizer que Mário só regressaria a Roma quinze ou vinte anos depois, pois o jovem Metelo era ainda uma criança. No entanto, Mário conseguiu autorização do Senado para regressar a Roma, não obstante os entraves colocados por Metelo, que chegou a enviar agentes para atrasarem Mário durante a viagem. Estes incidentes estariam na origem da longa rivalidade entre os dois homens, que mais tarde culminaria no desterro de Metelo (101 a.C.).

Mário venceu as eleições para Cônsul e nessa qualidade assumiu o comando da guerra contra Jugurta. Retirou assim o comando ao seu rival, que regressou a Roma verdadeiramente humilhado.

Jugurta, o rei númida que Metelo não conseguira vencer, era um estratega brilhante. Foi talvez o último soberano indígena que esteve à altura dos generais romanos (Mitrídates Eupator, por exemplo, era um militar medíocre). Embora tenha conseguido alguns êxitos, Mário depressa percebeu que nunca obteria uma vitória total, pelo menos a curto e médio prazo. Aliás, ele e Jugurta eram conhecidos (se não amigos) desde o cerco de Numância, onde serviram juntos sob as ordens de Cipião Emiliano. E ambos estavam cientes dos dotes militares de cada um deles.

Optando por métodos pouco convencionais, o novo comandante em chefe venceu Jugurta graças a um estratagema orquestrado por Sila (ver "Personagens I"), então seu lugar-tenente, que conseguiu que o sogro do númida o entregasse aos romanos.

Já de regresso a Roma, Mário teve ainda que enfrentar os Cimbros e Teutões, povos germânicos que invadiram a Gália e o Norte de Itália. Em 105 a.C., quando Mário estava ainda em África, estes bárbaros obtiveram uma grande vitória em Arausium (Orange), em que tombaram mais de sessenta mil legionários. Foi a maior derrota romana desde Canas, e toda a Itália tremia de medo face ao invasor vitorioso, cujo exército contava com mais de 750 mil homens (!). Vindo de África com as suas legiões, Mário esmagou-os em duas grandes batalhas, que constituem feitos militares sem comparação na história romana. Estas vitórias sobre os bárbaros valeram-lhe o título de “Terceiro Fundador de Roma”.

Para fazer face às novas ameaças, Mário pôs em prática uma extensa reforma do exército romano. Alterou a forma de organização das legiões, recrutou proletários e instituiu um exército permanente, perante o olhar chocado da facção conservadora do Senado. Além disso, inaugurou a prática de distribuir terras pelos seus veteranos, o que mais tarde permitiria a homens como Sila, Pompeu ou César manter o Estado como refém das suas respectivas exigências e vontades.

Depois da revolução falhada do tribuno Saturnino (101 a.C.), um agitador que havia apoiado momentaneamente, Mário retirou-se da vida política. Em 88 a.C., porém, manobrou no Senado de forma a retirar a Sila o comando da guerra contra Mitrídates do Ponto. Embora tivesse 70 anos, o velho general queria o comando da guerra. E com o apoio de um tribuno da plebe, conseguiu-o. Mas Sila, que era o cônsul desse ano, não aceitou a decisão do Senado e voltou a Roma com o seu exército, ocupando a cidade. Mário fugiu para o exílio, do qual só regressaria quando Sila embarcou para o Oriente. Quando Mário voltou à cidade, à frente de um exército de gladiadores e escravos fugitivos, assumiu o consulado juntamente com o republicano Cina (87 a.C.). Mas este foi incapaz de deter a carnificina que os partidários de Mário fizeram na cidade, matando todos aqueles que não estavam nas boas graças do ditador. Uma pitonisa síria tinha-lhe afiançado, nos tempos da Numídia, que seria cônsul por sete vezes, coisa inaudita até então. E, realmente, acabou por sê-lo, ainda que por pouco tempo. Velho, doente e louco, Mário morreu 13 dias depois de ter assumido o seu sétimo consulado. E Sila voltaria a Roma poucos anos mais tarde, reprimindo de forma extremamente dura os partidários da facção popular.

Resta acrescentar que Mário era tio de César, uma vez que desposara Júlia, irmã do pai deste. César fez uso deste parentesco para congregar em torno de si a numerosa facção popular. Além disso, Mário era primo afastado de Cícero, também originário do Arpino. Mas como Cícero queria cair nas boas graças dos poderosos optimates, este parentesco era deveras incómodo.

C.J.F.

8 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Aproveitando que falas de um governador da região que englobava a Lusitânia, podes indicar-me outros governadores desta região ou talvez onde ler uma boa lista?

6:37 da tarde  
Anonymous Anónimo said...

Ao que me consta, os homens de extensa virtú e de cautelosa fortuna serão quase sempre proscritos pela gana dos vaidosos e dos insaciáveis assassinos. Teria sido esta a sina de Mário?

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